sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Poesia


DESEJOS VÃOS

Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a pedra que não pensa,
A Pedra do caminho, rude e forte!
Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a arvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!
Mas o Mar também chora de tristeza...
As Arvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!
E o Sol altivo e forte, ao fim dum dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!...
Florbela Espanca - Livro de Mágoas

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Ártemis

Ártemis é para mim uma das figuras mitológicas mais interessantes. O seu caráter indomável, insubordinado e vingativo a diferencia de outras divindades, como Afrodite, por exemplo, a deusa do Amor, que lhe o oposto.

Ártemis é também chamada Diana, seu nome latino. É a deusa das florestas virgens, habita a natureza selvagem, os lugares ermos e dificilmente desce aos lugares civilizados.

De acordo com Vernant (1988), Ártemis é a caçadora, a corredora dos bosques, a selvagem, a sagitária que verte flechas para abater animais, e, por vezes, seres humanos. Mas ao mesmo tempo ela é também delicadeza, pureza, é parthénos, a donzela destinada à virgindade eterna. Essa virgindade eterna simboliza muito mais do que simplismente não se subemeter ao ato da cópula, simboliza a sua auto-sufieciencia e independência.





HINO HOMÉRICO A ÁRTEMIS

“Eu canto à Ártemis, de flechas douradas, que alegre saúda seus cães, a deusa pura e virgem, que dispara suas setas contra os veados, que se deleita com o arco, a querida irmã de Apolo que porta a espada dourada. Através das sombras dos vales e dos picos ventosos ela caminha com seu arco dourado, e se alegra nas caçadas atirando flechas sangrentas. Os cumes das altas montanhas tremem com o terrível uivo das feras que ecoa através dos bosques cerrados; toda a terra treme, e também treme o mar onde nadam os peixes. Mas a deusa de coração ousado corre por todos os lados matando as feras selvagens enquanto seus cães saltam alegres em torno dela. E quando por fim ela se satisfaz e acalma o seu duro coração, esta grande caçadora afrouxa a corda de seu arco e vai para a mansão de seu querido irmão Apolo Phebo, para as férteis terras de Delfos, e se une às Musas e às Cárites em danças graciosas. Lá ela pendura seu arco e suas flechas e lidera as danças das virgens, enquanto todos em torno saúdam a grande deusa com vozes celestes, louvando Leto de belos tornozelos que deu à luz crianças tão sublimes entre os imortais. Assim eu vos louvo e vos saúdo, oh filhos de Zeus e de Leto de belos cabelos”. (trad. de Evelyn-White, Homeric Hymns)
  
Nascimento de Ártemis

Ártemis é filha de Zeus e Leto, e irmã do Deus Apolo. Leto, assim como outras "amantes" de Zeus sofreu perseguições da esposa legítima, a rainha dos Deus, Hera. Grávida de Zeus, Leto, atravessou grande parte do mundo perseguida pela terrível serpente píton que foi encarregada por Hera de devorar as crianças após o nascimento.

"Assim, depois de muito vagar, Leto acabou por chegar a ilha de Ortígia, onde encontrou, finalmente, um abrigo. Ortígia era uma ilha flutuante, não estando fixa, portanto, em lugar algum, não fazendo parte da terra. Ali, durante nove dias e nove noites (...) E assim foi. Depois de intenso sofrimento, Leto viu seus trabalhos duplamente recompensados: de seu ventre saíram não um, mas dois filhos — um belo menino, de nome Apolo, e uma graciosa menina, chamada Artemis. (...) Apolo, de pele alva e louros cabelos, de fato era a representação perfeita do sol e do dia, enquanto que Artemis, de cabelos negros caídos sobre um colo faiscante, representava a lua envolta pela noite. Zeus deu a seus filhos muitos presentes, mas o que mais lhes agradou foi um maravilhoso arco confeccionado por Hefesto. Desde este dia Artemis afeiçoou-se de tal modo ao seu exercício, que acabou se tornando a deusa da caça. Quanto a Apolo, tinha em mente, antes que tudo, vingar sua mãe. — Diga-me, meu pai, onde está a terrível serpente que perseguiu tão cruelmente a minha mãe - disse ele, com os olhos postos no céu - , e irei matá-la com minhas próprias setas.
Leto e seus filhos abandonaram a ilha - que passou a se chamar, desde então, Delos, ou seja, "ilha luminosa", em homenagem ao deus da luz e do sol - e, após vários percalços, chegaram enfim ao seu destino." (Nascimento de Ártemis e Apolo. Disponível em: http://www.mitologiagrega.templodeapolo.net)

Funções: Deusa da caça e dos campos

Ártemis é a deusa da caça e está sempre armada das suas flechas e da aljava. É também a padroeira dos bosques e animais, das crianças e dos adolescentes. Preside os ritos de passagem conduzindo os jovens pelo limiar da adolescência ao mundo adulto. (FERNANDES, aula de Ártemis, mimeo, 2008). É também, apesar de seu caráter virginal, a deusa do parto. E além de todas essas incumbências ainda lhe cabe o papel de interventora no campo de batalha, ela não luta apenas norteia e protege a quem lhe invoca.

A senhora das feras (Pótnia Therôn) é representada vestida com roupas Espartanas de cumprimento até o joelho portando um arco dourado e quase sempre acompanhada de uma corsa, seu animal predileto. E diferentemente de Afrodite que é representada com um corpo feminino já desenvolvido, ela é representada como uma menina adolescente de sexualidade ainda indefinida. Esse aspecto jovial não a faz de modo algum menos atraente que Afrodite, ao contrário ela é igualmente sedutora, porém não igualmente amante. Ártemis é uma virgem, uma donzela convicta que tem horror ao casamento e ao sexo. Reza o mito que ela teria ajudado sua mãe no parto de seu irmão gêmeo, Apolo, e teria ficado horrorizada e pedido a seu pai, o senhor dos raios, Zeus, a graça de permanecer virgem eternamente e portando imune as leis de Afrodite.

“Nem também a de setas douradas Diana estourada,
subjugar ao amor conseguiu a ridente Afrodite,
pois agradam-lhe os arcos e aos montes as feras buscar(...)”
(Hh. a Afrodite, 16-18)




Segundo Kerenyi (1995), a virgindade da deusa arqueira, só pode ser entendida sob dois modos: o descomprometimento da juventude e a liberdade que implica ser-uma-vigem, isto é, ser virgem simboliza um não comprometimento com o outro e ao mesmo tempo significa uma liberdade, ser livre do julgo do marido e do julgo do casamento “uma atitude que torna a mulher independente em relação aos ‘seus deveres’, àquelas crenças e práticas convencionais a que seu ponto de vista não acede”. (KERENYI, Uma imagem Mitológica da Meninice. P. 75)


Vingança

Ártemis reserva a sua punição àqueles que cometem atentados contra sua pessoa, transgridem suas leis ou ainda violam suas fronteiras cometendo hýbis em seu território. Sua vingança é violenta, ela não perdoa e pune suas vítimas com a morte. Brandão em seus livros Mitologia 1 e 2 apresenta alguns exemplos de fins trágicos conferidos aos infelizes que caíram nas más graças da deusa.

“Tendo o filho de Poseídon [o gigante Oríon] tentado violentar Ártemis, esta enviou contra ele um escorpião que o picou no calcanhar, causando-lhe a morte instantânea”. (BRANDÃO, Mitologia Grega 1, p. 269)

“O imprudente caçador Actéon ...surpreendeu-a banhando-se (...). A deusa atirou-lhe um punhado de água no rosto e Actéon foi metamorfoseado em veado e despedaçado pelos próprios cães”. (BRANDÃO, Mitologia Grega 2, p. 67)

Os mitos sobre Ártemis estam sempre ligados a um jovem (kourós) que não realiza os ritos de passagem. Um jovem que teria tudo para seguir o percurso heróico, mas não chega a completá-lo, pois morre cedo. Esses meninos estão sempre ligados a natureza - ou são pastores, caçadores ou vivem na floresta - e normalmente não retornam para a cidade.

Para Ártemis a presença destes jovens se deve aos rituais de passagem já que uma de suas funções é presidir os ritos de iniciação dos jovens, ela os conduz até o limiar da adolescência, que eles deverão – deixando em suas mãos a vida juvenil – ultrapassar com sua concordância e ajuda (...) à plena sociabilidade (VERNANT, Ártemis ou as fronteiras do Outro. p. 21) ou ainda porque como caçadores penetram as florestas onde ela é senhora no caso de Acteon. Além disso, Ártemis ao conduzir os jovens pelo limar da vida infantil para a vida adulta os conduz para a vida da qual Afrodite tomara conta, isto é, a vida sexual, da fertilidade.

Segundo Vernant, a fecundidade também seria uma função atribuída a Ártemis. Sendo ela responsável por fazer crescer as plantas, os animais e os homens.

Esse aspecto da fecundidade é um dos essências do arquétipo da Grande Mãe. Muito embora ao primeiro olhar nos pareça estranho e até antagônico a presença de tal traço numa deusa da natureza selvagem, mas o “materno” a autoridade mágica do feminino, a sabedoria e a alteridade espiritual que está mais além do entendimento, a bondade protetora e sustentadora necessárias ao crescimento a fertilidade e o alimento são caracteristicas de Ártemis. A deusa arqueira reúne todoas essas características. O seu caráter virginal não a impede de valer também sobre a fecundidade feminina.(BRANDÃO, Mitologia 2. p. 69)


Aqueles que se consagram a Ártemis devem permanecer virgens e devem adotar seu modo de vida caçado e autero. Suas sacerdotisas são menininhas virgens de nove e idade não muito distante que usam vestimenta de caçadora e portam uma tocha e adotam o modo selvagem da deusa arqueira.

*Texto adaptado do meu trabalho - Afrodite X Ártemis: o verso e o avesso - para a Matéria de Mitologia 2 - 2008.2



REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

BRANDÃO, de Souza Junito. A Primeira Geração Divina: de Urano a Crono. In: Mitologia Grega. Vol 1. 14 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000, p. 215 – 224.
BRANDÃO, de Souza Junito. O Mito de Leto: nascimento de Ártemis e Apolo. In: Mitologia Grega. Vol 2. 10 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1999, p. 64 – 70.
VERNANT, Pierre Jean. Ártemis ou as fronteiras do Outro. In: A morte nos olhos: figurações do outro na Grécia Antiga. Rio de Janeiro: Zahar, 1988, p. 11 -29.
KERENYI, Karl. Uma imagem Mitológica da Meninice. In: HILLMAN. Encarando os Deuses. São Paulo, Cultrix, 1995, p.55 -62.
GRAMACHO, Jair (trad.) Afrodite. In: Hinos Homéricos. Brasília: UnB, 2003, p. 85 – 94.