domingo, 1 de julho de 2012

E assim conheci Alguém Que Já Não Fui



Recentemente um seguidor do blog (Nelsinho) veio me indicar um livro de crônicas do Artur da Távola. O livro, Alguém que já não fui. Ele me indicou dizendo que talvez eu fosse gostar do livro. E quando alguém me indica um livro com essas palavras: “talvez você goste”, “tem a sua cara”, pronto! Desperta em mim o desejo quase instantâneo de ler o livro. Mas nesse caso em especial o título do livro também ajudou a aguçar minha curiosidade.

Busquei pelo livro, ele estava esgotado nas livrarias e tive que comprar num sebo – o que eu evito fazer devido ao estado lastimável dos livros, apesar da descrição (nem sempre confiável) “em bom estado de conservação”. Comprei virtualmente e depois acabei descobrindo que o sebo era no meu Estado mesmo, veja só. Fui buscá-lo pessoalmente, grande era a urgência de ler. Chegando lá peguei o livro e saí do sebo toda ansiosa/feliz, em puro êxtase. Fui direto pro ponto de ônibus segurando aquele livro como um amante e só então notei que ele estava... mofado! Muito, muito triste fiquei. Mas já era meu, não tinha volta. Era meu! No ônibus mesmo li algumas crônicas e a cada uma que eu lia eu ficava mais e mais animada e identificada. Chegando em casa tive de colocá-lo de lado...eu precisava limpá-lo antes de poder manuseá-lo sem começar a espirrar ou coçar o nariz. Depois de devidamente limpo - segundo as preciosas dicas da Juliana do blog o batom de clarice - concluí minha leitura e amei. Obrigada Nelsinho por me indicar esse livro! Eu gostei mesmo!

As crônicas de Artur da Távola trazem aquela impressão existencialista da analise do homem, das impressões do cotidiano, dos questionamentos da vida, do aprendizado que se adquire a cada dia. E leva o leitor a pensar, questionar e analisar suas próprias impressões da vida. Segue abaixo um das minhas crônicas favoritas do livro.

QUEM QUISER QUE ACREDITE...

Há os que:
Acreditam em apenas uma verdade.
Acreditam em todas (ou várias) verdades.
Em nada acreditam.
Quase acreditam.

É sempre mais simples acreditar apenas numa coisa. Mesmo que seja complexa como trigonometria, numismática, informática, heáldica ou cosmogonia.

Acreditar em todas as coisas é abri-se para a vida e fechar-se ao imediato. Você jamis reformará, nem mesmo o seu jardim, acreditando em todas as coisas; como não reformará as coisas que eu, você e todos achamos que precisam ser mudadas! O jardim você não reformará, porque acreditará, também, na razão das lesmas e das vespas e dos moscardoões (que a têm), dos matinhos e ervas não estéticas, a quem você deixará viver (no que faz muito bem), porque acreditará nas razões sobejas que têm para tal. Acreditar em todas as coisas talvez seja atingir a sabedoria, que consite em respeitar os ritmos da vida.

Em nada acreditar é uma proposição aparentemente fascinante. Os céticos são os profissionais do charme na História da Filosofia. Faz um efeito danado em nada acreditar...Penas que os tomistas tenham destruído os céticos em dois argumentos fulminantes: 1) Ou o que você diz é certo e entao não deve acreditar nem na própria afirmação (a de que em nada acredita); 2) ou o que você diz é errado e, se é errado, não há o que discutir. De qualquer maneira, para noites frias de outono e de solidões disfarçadas em amarguras ou rejeições, nada melhor que acreditar que você não acredita em nada.

Quase acreditar é delicioso. E profundamente brasileiro. Esta categoria engloba os que "pensam que acreditam" e os que "fingem que acreditam". Quase acreditar dá a sensação de que vamos provar um pedaço de cada verdade. Sentimos-lhe o gostinho. Enquanto dura a impressão da verdade a pessoa pensa que encontrou o caminho e que ali está a solução para aquela dúvida, problema ou angústia. As "academias" dos centro comerciais estão cheias de pessoas que, por "quase acreditar" pulam de curso em curso, de ginástica em ginástica, de procura em procura. A maior parte das conversas é constituída das meias convicções dos que quase acreditam. Quase acreditar é perigoso, quando se assume compromissos em nome da expectativa de uma descoberta. Quase acreditar é confundir impressão com conclusão. Quase acreditar é querer sem saber. É ter vontade de ser. É não conseguir crer. É confundir opniões com convicção, indícios com evidências.

Acreditar em apenas uma verdade pode até ser lúcido. Só que às vezes (ou quase sempre) é impossível ter razão, quando se tem a plena lucidez. Acreditar apenas em uma verdade, faz líderes e faz fanáticos. Faz reformadores e faz retroadores. Constroi e paralisa. Acreditar em apenas uma verdade, seja religião, partido, time, escola de samba, interpretação, remédio ou solução, acalma a pessoa por lhe dar a sensação de tripular o Bem. Porém não resolve. Porque não pára o fluxo permanente do todo. Acreditar em apenas uma verdade é a fórmula permanente do todo. Acreditar em apenas uma verdade é a formula mais corriqueira de afogar a angústia e não saber conviver com a dúvida. O mundo cresce graças a quem acredita em apenas uma coisa. Mas é também por causa desdes que o mundo vive em guerra. Há séculos.

Acreditar em todas as verdades é ter a fé sem os limites impostos por qualquer sistema erigido para cultuá-la. É encher-se de luz. É ser filtro por onde passam as cores-maravilha do arco-íris. Acreditar em todas as verdades não é a inação: é a não-ação mais ativa do mundo. Não é acreditar ingenuamente: é manter a original e infantil vontade de conhecer logo, ser jovem eternamente. Os líderes, guias e avatares estão entre eses. São seres que pertencem ao depois e ao futuro; que perdem sempre os embates do imediato. Preferem o eterno ao útil. Só o tempo lhes confere dimensão.

Os que em nada acreditam levam a vantagem de sempre parecer acreditar piamente no que estão fazendo. Quase sempre, aliás, prosperam, porque em nada acreditar retira de suas atitudes aderências desnecessárias, culposas e trapalhonas, como por exemplo: idealismo; dedicação; amor ao trabalho e não ao resultado; boa vontade; altruísmo; sentimento de justiça etc. Os que em nada acreditam vão sempre longe, até porque não se obrigam a acreditar nem na própria vida e no sentido a ela imprimido. São felizes no imediato, cheio de êxitos no dia a dia e profundamente tristes e sofredores quando (ou se por acaso) perdem os embates ou ficam sozinhos.


Os que quase acreditam são vistos onde quer que haja uma comoção popular: decisão de campeonato, enterro de artista, desfile, passarela, concurso de Miss ou vestibular. São pessoas que conhecem muitas outras, sem conhecer a fundo nenhuma. Suas crenças mudam conforme gire a roda da moda. Os que quase acreditam às vezes até se envolvem com indícios de verdades em que julgam acreditar. Mas como é quase, eles acabam encontrando formas incoscientes de ser punidos pelo que adotam como seu, embora fosse apenas uma quase crença. Em estado de quase vivem se proclamando vítimas de injustiças...


Assim é o quatérnio da crença! E mais não digo.