quinta-feira, 24 de abril de 2014

Desafio Literário: Abril - um livro escrito por uma mulher

BEAUVOIR, Simone (1908-1986). A Mulher Desiludida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2. ed., 2010.




"Coisa curiosa é um diário! O que se cala é mais importante do que o que se escreve."  

A Mulher Desiludida é um livro de muitas emoções. Não há como passar incólume a leitura desse livro. 

Simone reúne aqui três contos. Três mulheres. Três histórias. No primeiro conto, A idade da discrição, acompanhamos os dilemas de uma mulher ao envelhecer. A solidão, o comodismo do marido,  o rancor pelo filho, a frustração com seu trabalho e a sua própria rigidez com relação ao mundo. É um conto interessante para refletir sobre os rumos de nossa vida e o que esperamos do futuro.

Já o segundo, Monólogo, acompanhamos a narradora debatendo consigo mesma as mazelas de sua vida. Suas queixas da infância, seus dois casamentos fracassados, o suicido da filha. Ela está o tempo todo acusando a todos e se isentando de qualquer responsabilidade sobre qualquer coisa, entretanto, ao mesmo tempo, observamos em sua fala sua parcela dos acontecimentos que a levaram aquele momento de solidão.

A Mulher Desiludida, o último conto e também aquele que nomeia o livro, foi o que mais me afetou. É  narrado sob a forma de um diário e aqui acompanhamos uma mulher aos quarenta e quatro anos descobrindo que o marido tem uma amante. A maneira como essa mulher recebe essa notícia e a forma como ela lida com isso é muito enervante. Sua passividade desmedida e sua anulação. Mas ao mesmo tempo aquele marido cúmplice disso tudo que alimenta a sua obsessão. Porém, não deixamos de  nos penalizar por sua situação.

Nenhum dos contos trás uma solução, um fechamento...são apenas os fatos. Fatos que transbordam emoção. Acredito que de todos os contos, o primeiro, é o mais leve. Embora não tenha solução ao menos nos fica a ilusão de que tudo vai ficar bem. Já os outros dois são mais crus. Mas não é a vida bem desse jeito? Só depende do sujeito o passo para a mudança (ou não). Ainda assim, espero que Monique tenha encontrado ao algo de bom atrás daquela porta fechada...que tenha sido o começo de um nova jornada.

  

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Projeto Leitura Cronológica (dos Contos): Papéis Avulsos

ASSIS, Machado de, (1839-1908). Papéis Avulsos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.


"A vida, é uma enorme loteria; os prêmios são poucos, os malogrados inúmeros, e com os suspiros de uma geração é que se amassam as esperanças de outra. Isto é a vida; não há planger, nem imprecar, mas aceitar as coisas integralmente, com seus ônus e percalços, glórias e desdouros, e ir por diante". 


Nesta coletânea de contos, Papéis Avulsos, Machado nos apresenta um conjunto interessante de boas histórias, entre elas: O alienista, O espelho e Teoria do medalhão. Eu particularmente destaco os contos: O alienista, A chinela turca e O espelho como os contos mais interessantes desta coletânea.

Em O alienista - o conto mais longo do livro - o médico Simão Bacamantes inaugura na cidade de Itaguaí um local para tratar os loucos da cidade, a Casa Verde. Porém acaba deixando a cidade em pânico com suas ideias sobre o que é ou não loucura. Embora o leitor possa desconfiar da sanidade do alienista o final do conto não deixa de surpreender. Em A chinela Turca acompanhamos a agonia de um jovem obrigado a ouvir a narrativa entediante de um amigo. Enquanto ouve a narrativa do animo eventos estranhos acontecem. Genial! O espelho conta o estranho caso de um jovem que por estar tão identificado como seu título de "alferes" que a sua existência ou não passa a depender desse título. Muito bom!

terça-feira, 1 de abril de 2014

Garota, interrompida

KAYSEN, Suzanna. Garota, interrompida. São Paulo: Editora Gente, 2013.


"Interrompida em sua música: tal qual acontecera com a minha vida, interrompida durante a música dos 17 anos, tal qual a vida dela, roubada e presa a uma tela; um momento congelado no tempo mais importante que todos os outros momentos, quaisquer que fossem ou viessem a ser. Quem se recupera disso?" (Kaysen, p.187 In: Gatora, Interrompida, 2013)

Garota interrompida é um livro autobiográfico da autora Susanna Kaysen. Neste livro ela narra alguns episódios que viveu entre os anos de 1967 e 1968 quando esteve internada no Hospital Psiquiátrico McLean.

Antes de ler o livro não tinha ideia que se tratava de um relato autobiográfico. E também não tinha assistido ao filme (Girl,Interrupted 1999). Imaginava que o livro contava a história de uma garota problemática, talvez uma rebelde. Mas logo no primeiro capítulo percebi que o livro era muito mais que isso. A autora me surpreendeu pela forma direta com que conta a sua história. E foi interessante ver ali em seu relato como pessoas consideradas "desviantes" de um modelo social estabelecidos facilmente eram catalogadas como loucas.

Aos 19 anos Susanna estava um pouco perdida em suas escolhas de vida. Mas quem aos 19 anos está absolutamente certo sobre o seu futuro? É claro que também tinha a questão da depressão que a levou à uma tentativa de suicídio e que por consequência a levou a fatídica entrevista com o psiquiatra que culminou na sua internação no Hospital McLean. Ela obviamente precisava de uma ajuda mas a internação em uma instituição psiquiátrica foi uma medida extremamente radical.

Quero crer que não haja mais internações por "promiscuidade" ou "risco de gravidez". Mas sabemos que hoje, cada vez mais, os comportamentos humanos tem sido catalogados e anexados aos Manuais Diagnósticos (CID X e DSM V). Susanna levanta discussões interessantes em seu livro, além da discussão sobre o que seria ou não seria loucura ela também questiona a dicotomia Mente X Cérebro onde ela apresenta os avanços da neurociência e consequentemente a descoberta de novos medicamentos que se propõem a "reparar" aquela falta no cérebro que deixou o individuo maluco e antiga psiquiatria (e também a psicanalise) que se propunha a tratar o sujeito através da palavra.

Garota, Interrompida é um livro interessante que levanta várias questões pertinentes e que permanecem atuais ainda hoje. Leitura recomendada.