domingo, 13 de setembro de 2009

Soneto XVII - Pablo Neruda


NÃO TE AMO como se fosses rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

senão assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que quando fecho os olhos contigo eu sonho.

domingo, 26 de julho de 2009

"meu bauzinho de memórias"


Estava hoje remexendo na minha caixa de guardados e encontrei, entre outras coisas, uma foto. Uma foto de cinco garotas. Uma amizade! Promessa de eternidade. Porém, o destino conspirou e nos espalhou como sementes ao vento. Cada uma caindo em um terreno diferente e florecendo em outro jardim que não era, exatamente, o jardim planejado, pois no planejado estariamos lado a lado.
Isso não quer dizer que a amizade tenha se acabado de vez, mas a distância dificulta um pouco as coisas. O lado positivo da distância é o momento do reencontro...ah uma reunião de amigas de infância! E é nesses pequenos momentos que percebemos que mesmo que tenhamos seguido diferentes caminhos e tenhamos nos modificado nessa longa trilha da vida, mesmo assim, nesses reencontros encontramos as semelhanças que nos fazem amigas apesar da distância!

Dayana Costa (eu mesmo)

terça-feira, 14 de abril de 2009

Compartinhando: momento de oração

A primeira vez que li essa oração foi em 1999 e, desde então, nos momentos em que o "jardim do vizinho me parece mais florido" eu lembro dessa oração e agradeço.
Prece Hindu
É maravilhoso, Senhor
Meus braços perfeitos
Quando há tantos mutilados,
Meus olhos perfeitos,
Quando tantos não têm luz;
Minha voz canta,
Quando outras emudecem,
Minhas mãos que trabalham
Quando tantas mendigam.
É maravilhos, Senhor:
Voltar a casa,
Quando tantos não têm para onde
voltar,
É bom sorrir, amar, sonhar, viver,
Quando tantos choram, odeiam e
revolvem pesadelos
E morrem sem viver.
É maravilhoso, Senhor:
Ter um Deus para crer,
Quando tantos não possuem o lenitivo
de uma crença
É maravilhoso, Senhor:
Ter tão pouco a pedir
E tanto para agradecer.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

círculo vicioso


Eu me perco naquele olhar


e naquele sorrizinho torto e contido


que não esconde a satisfação de ser desejado.



Me encanto por seus olhos


e pelo modo cínico com que provoca meu olhar.


Você sabe o que fazer para me deixar ruborizada


Meu rubor faz-se logo visível



Eu mudo a direção do olhar


mas o imã que emana do seu me impede


e eu fico presa nesse círculo vicioso


porque meu olhar procura pelo seu.



Dayana Costa (eu mesmo)





Presença


Eu analiso, observo, pondero e me convenço...chega!


A lucidez parece finalmente ter dado o ar de sua graça.


Sim, o melhor a ser feito é esquecer.


Mas qualquer convencimento é logo desfeito por uma presença...


Uma presença pertubadoramente convincente do contrário:


não esquecer!!


Pronto, a lucidez foi embora e de novo me percebo algemada a mesma ilusão.

Dayana Costa ( eu mesmo)

O tédio...

Quadro de Walter Sickert



263


Tão dado como sou ao tédio, é curioso’ que nunca, até hoje, me lembrou de meditar em que consiste. Estou hoje, deveras, nesse estado intermédio da alma em que nem apetece a vida nem outra coisa. E emprego a súbita lembrança de que nunca pensei em o que fosse, em sonhar, ao longo de pensamentos meio impressões, a análise, sempre um pouco factícia, do que ele seja.


Não o sei, realmente, se o tédio é somente a correspondência desperta da sonolência do vadio, se é coisa, na verdade, mais nobre que esse entorpecimento. Em mim, o tédio é frequente, mas, que eu saiba, porque reparasse, não obedece a regras de aparecimento. Posso passar sem tédio um domingo inerte; posso sofrê-lo, repentinamente, como uma nuvem externa, em pleno trabalho atento. Não consigo relacioná-lo com um estado da saúde ou da falta dela; não alcanço conhecê-lo como produto de causas que estejam na parte evidente de mim.


Dizer que é uma angústia metafísica disfarçada, que é uma grande desilusão incógnita, que é uma poesia surda da alma aflorando aborrecida à janela que dá para a vida - dizer isto, ou o que seja irmão disto, pode colorir o tédio, como uma criança ao desenho cujos contornos transborde e apague, mas não me traz mais que um som de palavras a fazer eco nas caves do pensamento.


O tédio… Pensar sem que se pense, com o cansaço de pensar; sentir sem que se sinta, com a angústia de sentir; não querer sem que se não queira, com a náusea de não querer - tudo isto está no tédio sem ser o tédio, nem é dele mais que uma paráfrase ou uma translação. E, na sensação directa, como se de sobre o fosso do castelo da alma se erguesse a ponte levadiça, nem restasse, entre o castelo e as terras, mais que o poder olhá-las sem as poder percorrer. Há um isolamento de nós em nós mesmos, mas um isolamento onde o que separa está estagnado como nós, água suja cercando o nosso desentendimento.


O tédio… Sofrer sem sofrimento, querer sem vontade, pensar sem raciocínio… É como a possessão por um demónio negativo, um embruxamento por coisa nenhuma. Dizem que os bruxos, ou os pequenos magos, conseguem, fazendo de nós imagens, e a elas infligindo maus tratos, que esses maus tratos, por uma transferência astral, se reflictam em nós. O tédio surge-me, na sensação transposta desta imagem, como o reflexo maligno de bruxedos de um demónio das fadas, exercidas, não sobre uma imagem minha, senão sobre a sua sombra. E na sombra íntima de mim, no exterior do interior da minha alma, que se colam papéis ou se espetam alfinetes. Sou como o homem que vendeu a sombra, ou, antes, como a sombra do homem que a vendeu.


O tédio… Trabalho bastante. Cumpro o que os moralistas da acção chamariam o meu dever social. Cumpro esse dever, ou essa sorte, sem grande esforço nem notável desinteligência. Mas, umas vezes em pleno trabalho, outras vezes no pleno descanso que, segundo os mesmos moralistas, mereço e me deve ser grato, transborda-se-me a alma de um fel de inércia, e estou cansado, não da obra ou do repouso, mas de mim.


De mim porquê, se não pensava em mim? De que outra coisa, se não pensava nela? O mistério do universo, que baixa às minhas contas ou ao meu reclínio? A dor universal de viver que se particulariza subitamente na minha alma mediúnica? Para quê enobrecer tanto quem não se sabe quem é? É uma sensação de vácuo, uma fome sem vontade de comer, tão nobre como estas sensações do simples cérebro, do simples estômago, vindas de fumar de mais ou de não digerir bem.


O tédio… E talvez, no fundo, a insatisfação da alma íntima por não lhe termos dado uma crença, a desolação da criança triste que intimamente somos, por não lhe termos comprado o brinquedo divino. É talvez a insegurança de quem precisa mão que o guie, e não sente, no caminho negro da sensação profunda, mais que a noite sem ruído de não poder pensar, a estrada sem nada de não saber sentir…


O tédio… Quem tem Deuses nunca tem tédio. O tédio é a falta de uma mitologia. A quem não tem crenças, até a dúvida é impossível, até o cepticismo não tem força para desconfiar. Sim, o tédio é isso: a perda, pela alma, da sua capacidade de se iludir, a falta, no pensamento, da escada inexistente por onde ele sobe sólido à verdade.


Bernardo Soares - Livro do Desassossego



domingo, 15 de março de 2009

O que é um nome?




JULIETA - Romeu, Romeu! Ah! por que és tu Romeu? Renega o pai, despoja-te do nome; ou então, se não quiseres, jura ao menos que amor me tens, porque uma Capuleto deixarei de ser logo.


ROMEU (à parte) - Continuo ouvindo-a mais um pouco, ou lhe respondo?


JULIETA - Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuarias sendo o que és, se acaso Montecchio tu não fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença ao corpo. Sê outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição que dele é sem esse título. Romeu, risca teu nome, e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo,fica comigo inteira.


ROMEU - Sim, aceito tua palavra. Dá-me o nome apenas de amor, que ficarei rebatizado. De agora em diante não serei Romeu.


JULIETA - Quem és tu que, encoberto pela noite, entras em meu segredo?


ROMEU - Por um nome não sei como dizer-te quem eu seja. Meu nome, cara santa, me é odioso, por ser teu inimigo; se o tivesse diante de mim, escrito, o rasgaria.


JULIETA - Minhas orelhas ainda não beberam cem palavras sequer de tua boca, mas reconheço o tom. Não és Romeu, um dos Montecchios?


ROMEU - Não, bela menina; nem um nem outro, se isso te desgosta.




Pois é, Julieta...o que é um nome? Que significado carrega uma palavra, porque tenho de chamar rosa de rosa? Porque Romeu se chama Romeu?

Tudo vem da arbitrariedade do Outro, tudo é nomeado pelo outro...

quarta-feira, 4 de março de 2009

...folheando um caderno velho


Esses dias eu estava folheando um caderno velho (um daqueles cadernos onde eu fazia assim como hoje faço com o blog, ou seja, escrevia minhas músicas preferidas, poesias preferidas, frases que se destacavam no livro que eu estava lendo...enfim coisas do gênero) porque uma amiga disse que quando se sofre por amor agente até escreve poesia. Pois bem, quem nunca sofreu por amor que atire a primeira pedra. Eu já sofri...ah meus amores juvenis! Como me deixaram marcas...algumas boas, outras, nem tanto. Eles também deixaram algumas linhas escritas em forma de verso que agora compartilho com vocês (seja lá se alguém lê isso aqui). Desde já quero pedir que levem em conta que foi escrito por uma garota de 13 anos, logo, qualquer exagero, falta de métrica ou seja lá o que for, perdoe.

Mas enfim, encorajada por essa mesma amiga vou divulgá-las aqui.



Primeiro Beijo

Grudou igual tatuagem
E ficou a imagem daquele beijo
Que não mais esqueço
E peço que não esqueças também


Pois aquele beijo tornou-se eterno
E o destino fez das bocas unidas
Por um breve momento
O momento eterno


A lua foi a testemunha
Da minha emoção e da sua
Do doce e inócuo beijo
Do desejo mútuo.


Foi o beijo perfeito
que esquecimento não se torne
que se lembre enquanto vida tiver
pois se disse que esqueceu...



Amor Insano
O amor nos torna insanos
mas somos apenas humanos
E não sabemos amar
idealizamos como nos contos
E esse é o erro dos tontos
deixar-se sacrificar.


Acreditei no amor dos poetas
E vivi o amor dos patetas.
Esse foi o meu crime
Amar quem não merece
E ainda se pudesse
Não iria ajudar-me.


Posso estar julgando-te errado
Talvez também esteja acabrunhado
Mas não diga-me que foi o destino
O meu coração ainda sangra
Adorar-te foi loucura
Tudo isso foi engano


O amor acabou ou nunca existiu
a chama da paixão se extinguiu
Chegou ao fim a emoção
E agora melancólica ou tristonha
sou apenas risonha
E o amor transformou-se em desilusão.



À um traidor


O que eu esperei de ti
foi amor
Veja o que me deste
tu me deste dor


Enquanto eu te amava
Tu me iludia e ludibriava
Veja o que me deste
tu me deste dor


Quando ao meu lado
dizia: "meu amor"
Teu pensamento não estava ali
Veja o que me deste
tu me deste dor


Traidor, por que me feriu?
Veja o que me deste
tu me deste dor.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Bebe: Siempre me quedará

Hoje quero falar de uma linda voz que me encantou. A voz de Bebe e a canção Siempre me quedará.

Nieves Rebolledo Vila mais conhecida como Bebe é uma cantora espanhola nascida em 9 de maio de 1978 em Valência.

Ela lançou em 2004 um cd intitulado Pafuera Telarañas e apesar de ter tido reconhecimento mundial, sendo indicada para 5 gramys em 2005 (Ela ganhou o Grammy Latino de Artista Revelação 2005), Bebe disse que o seu disco de estréia também foi seu disco de despendida, ou seja, parece que ela não pretende continuar com carreira de cantora.


Se você gostou pode baixar o cd completo:


http://www.mediafire.com/download.php?mo1vywkyzan

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Poesia


DESEJOS VÃOS

Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a pedra que não pensa,
A Pedra do caminho, rude e forte!
Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a arvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!
Mas o Mar também chora de tristeza...
As Arvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!
E o Sol altivo e forte, ao fim dum dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!...
Florbela Espanca - Livro de Mágoas

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Ártemis

Ártemis é para mim uma das figuras mitológicas mais interessantes. O seu caráter indomável, insubordinado e vingativo a diferencia de outras divindades, como Afrodite, por exemplo, a deusa do Amor, que lhe o oposto.

Ártemis é também chamada Diana, seu nome latino. É a deusa das florestas virgens, habita a natureza selvagem, os lugares ermos e dificilmente desce aos lugares civilizados.

De acordo com Vernant (1988), Ártemis é a caçadora, a corredora dos bosques, a selvagem, a sagitária que verte flechas para abater animais, e, por vezes, seres humanos. Mas ao mesmo tempo ela é também delicadeza, pureza, é parthénos, a donzela destinada à virgindade eterna. Essa virgindade eterna simboliza muito mais do que simplismente não se subemeter ao ato da cópula, simboliza a sua auto-sufieciencia e independência.





HINO HOMÉRICO A ÁRTEMIS

“Eu canto à Ártemis, de flechas douradas, que alegre saúda seus cães, a deusa pura e virgem, que dispara suas setas contra os veados, que se deleita com o arco, a querida irmã de Apolo que porta a espada dourada. Através das sombras dos vales e dos picos ventosos ela caminha com seu arco dourado, e se alegra nas caçadas atirando flechas sangrentas. Os cumes das altas montanhas tremem com o terrível uivo das feras que ecoa através dos bosques cerrados; toda a terra treme, e também treme o mar onde nadam os peixes. Mas a deusa de coração ousado corre por todos os lados matando as feras selvagens enquanto seus cães saltam alegres em torno dela. E quando por fim ela se satisfaz e acalma o seu duro coração, esta grande caçadora afrouxa a corda de seu arco e vai para a mansão de seu querido irmão Apolo Phebo, para as férteis terras de Delfos, e se une às Musas e às Cárites em danças graciosas. Lá ela pendura seu arco e suas flechas e lidera as danças das virgens, enquanto todos em torno saúdam a grande deusa com vozes celestes, louvando Leto de belos tornozelos que deu à luz crianças tão sublimes entre os imortais. Assim eu vos louvo e vos saúdo, oh filhos de Zeus e de Leto de belos cabelos”. (trad. de Evelyn-White, Homeric Hymns)
  
Nascimento de Ártemis

Ártemis é filha de Zeus e Leto, e irmã do Deus Apolo. Leto, assim como outras "amantes" de Zeus sofreu perseguições da esposa legítima, a rainha dos Deus, Hera. Grávida de Zeus, Leto, atravessou grande parte do mundo perseguida pela terrível serpente píton que foi encarregada por Hera de devorar as crianças após o nascimento.

"Assim, depois de muito vagar, Leto acabou por chegar a ilha de Ortígia, onde encontrou, finalmente, um abrigo. Ortígia era uma ilha flutuante, não estando fixa, portanto, em lugar algum, não fazendo parte da terra. Ali, durante nove dias e nove noites (...) E assim foi. Depois de intenso sofrimento, Leto viu seus trabalhos duplamente recompensados: de seu ventre saíram não um, mas dois filhos — um belo menino, de nome Apolo, e uma graciosa menina, chamada Artemis. (...) Apolo, de pele alva e louros cabelos, de fato era a representação perfeita do sol e do dia, enquanto que Artemis, de cabelos negros caídos sobre um colo faiscante, representava a lua envolta pela noite. Zeus deu a seus filhos muitos presentes, mas o que mais lhes agradou foi um maravilhoso arco confeccionado por Hefesto. Desde este dia Artemis afeiçoou-se de tal modo ao seu exercício, que acabou se tornando a deusa da caça. Quanto a Apolo, tinha em mente, antes que tudo, vingar sua mãe. — Diga-me, meu pai, onde está a terrível serpente que perseguiu tão cruelmente a minha mãe - disse ele, com os olhos postos no céu - , e irei matá-la com minhas próprias setas.
Leto e seus filhos abandonaram a ilha - que passou a se chamar, desde então, Delos, ou seja, "ilha luminosa", em homenagem ao deus da luz e do sol - e, após vários percalços, chegaram enfim ao seu destino." (Nascimento de Ártemis e Apolo. Disponível em: http://www.mitologiagrega.templodeapolo.net)

Funções: Deusa da caça e dos campos

Ártemis é a deusa da caça e está sempre armada das suas flechas e da aljava. É também a padroeira dos bosques e animais, das crianças e dos adolescentes. Preside os ritos de passagem conduzindo os jovens pelo limiar da adolescência ao mundo adulto. (FERNANDES, aula de Ártemis, mimeo, 2008). É também, apesar de seu caráter virginal, a deusa do parto. E além de todas essas incumbências ainda lhe cabe o papel de interventora no campo de batalha, ela não luta apenas norteia e protege a quem lhe invoca.

A senhora das feras (Pótnia Therôn) é representada vestida com roupas Espartanas de cumprimento até o joelho portando um arco dourado e quase sempre acompanhada de uma corsa, seu animal predileto. E diferentemente de Afrodite que é representada com um corpo feminino já desenvolvido, ela é representada como uma menina adolescente de sexualidade ainda indefinida. Esse aspecto jovial não a faz de modo algum menos atraente que Afrodite, ao contrário ela é igualmente sedutora, porém não igualmente amante. Ártemis é uma virgem, uma donzela convicta que tem horror ao casamento e ao sexo. Reza o mito que ela teria ajudado sua mãe no parto de seu irmão gêmeo, Apolo, e teria ficado horrorizada e pedido a seu pai, o senhor dos raios, Zeus, a graça de permanecer virgem eternamente e portando imune as leis de Afrodite.

“Nem também a de setas douradas Diana estourada,
subjugar ao amor conseguiu a ridente Afrodite,
pois agradam-lhe os arcos e aos montes as feras buscar(...)”
(Hh. a Afrodite, 16-18)




Segundo Kerenyi (1995), a virgindade da deusa arqueira, só pode ser entendida sob dois modos: o descomprometimento da juventude e a liberdade que implica ser-uma-vigem, isto é, ser virgem simboliza um não comprometimento com o outro e ao mesmo tempo significa uma liberdade, ser livre do julgo do marido e do julgo do casamento “uma atitude que torna a mulher independente em relação aos ‘seus deveres’, àquelas crenças e práticas convencionais a que seu ponto de vista não acede”. (KERENYI, Uma imagem Mitológica da Meninice. P. 75)


Vingança

Ártemis reserva a sua punição àqueles que cometem atentados contra sua pessoa, transgridem suas leis ou ainda violam suas fronteiras cometendo hýbis em seu território. Sua vingança é violenta, ela não perdoa e pune suas vítimas com a morte. Brandão em seus livros Mitologia 1 e 2 apresenta alguns exemplos de fins trágicos conferidos aos infelizes que caíram nas más graças da deusa.

“Tendo o filho de Poseídon [o gigante Oríon] tentado violentar Ártemis, esta enviou contra ele um escorpião que o picou no calcanhar, causando-lhe a morte instantânea”. (BRANDÃO, Mitologia Grega 1, p. 269)

“O imprudente caçador Actéon ...surpreendeu-a banhando-se (...). A deusa atirou-lhe um punhado de água no rosto e Actéon foi metamorfoseado em veado e despedaçado pelos próprios cães”. (BRANDÃO, Mitologia Grega 2, p. 67)

Os mitos sobre Ártemis estam sempre ligados a um jovem (kourós) que não realiza os ritos de passagem. Um jovem que teria tudo para seguir o percurso heróico, mas não chega a completá-lo, pois morre cedo. Esses meninos estão sempre ligados a natureza - ou são pastores, caçadores ou vivem na floresta - e normalmente não retornam para a cidade.

Para Ártemis a presença destes jovens se deve aos rituais de passagem já que uma de suas funções é presidir os ritos de iniciação dos jovens, ela os conduz até o limiar da adolescência, que eles deverão – deixando em suas mãos a vida juvenil – ultrapassar com sua concordância e ajuda (...) à plena sociabilidade (VERNANT, Ártemis ou as fronteiras do Outro. p. 21) ou ainda porque como caçadores penetram as florestas onde ela é senhora no caso de Acteon. Além disso, Ártemis ao conduzir os jovens pelo limar da vida infantil para a vida adulta os conduz para a vida da qual Afrodite tomara conta, isto é, a vida sexual, da fertilidade.

Segundo Vernant, a fecundidade também seria uma função atribuída a Ártemis. Sendo ela responsável por fazer crescer as plantas, os animais e os homens.

Esse aspecto da fecundidade é um dos essências do arquétipo da Grande Mãe. Muito embora ao primeiro olhar nos pareça estranho e até antagônico a presença de tal traço numa deusa da natureza selvagem, mas o “materno” a autoridade mágica do feminino, a sabedoria e a alteridade espiritual que está mais além do entendimento, a bondade protetora e sustentadora necessárias ao crescimento a fertilidade e o alimento são caracteristicas de Ártemis. A deusa arqueira reúne todoas essas características. O seu caráter virginal não a impede de valer também sobre a fecundidade feminina.(BRANDÃO, Mitologia 2. p. 69)


Aqueles que se consagram a Ártemis devem permanecer virgens e devem adotar seu modo de vida caçado e autero. Suas sacerdotisas são menininhas virgens de nove e idade não muito distante que usam vestimenta de caçadora e portam uma tocha e adotam o modo selvagem da deusa arqueira.

*Texto adaptado do meu trabalho - Afrodite X Ártemis: o verso e o avesso - para a Matéria de Mitologia 2 - 2008.2



REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

BRANDÃO, de Souza Junito. A Primeira Geração Divina: de Urano a Crono. In: Mitologia Grega. Vol 1. 14 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000, p. 215 – 224.
BRANDÃO, de Souza Junito. O Mito de Leto: nascimento de Ártemis e Apolo. In: Mitologia Grega. Vol 2. 10 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1999, p. 64 – 70.
VERNANT, Pierre Jean. Ártemis ou as fronteiras do Outro. In: A morte nos olhos: figurações do outro na Grécia Antiga. Rio de Janeiro: Zahar, 1988, p. 11 -29.
KERENYI, Karl. Uma imagem Mitológica da Meninice. In: HILLMAN. Encarando os Deuses. São Paulo, Cultrix, 1995, p.55 -62.
GRAMACHO, Jair (trad.) Afrodite. In: Hinos Homéricos. Brasília: UnB, 2003, p. 85 – 94.